Desde há vários anos, quando me foi sugerida a ideia de definir uma pessoa numa só palavra (como se isso fosse possível …), que a palavra altruísmo tem sido sempre por mim associada ao meu irmão Paulo.
Nunca conheci outra pessoa que estivesse permanentemente disponível para ajudar os outros, não de uma forma generalista e de “missão” (no mau sentido do termo), mas de uma forma específica e particular para cada um de nós que, nesses momentos, sentíamos o seu genuíno e desinteressado empenho em resolver problemas que lhe eram colocados, em nos aconselhar com muita serenidade e valor, ou simplesmente para nos escutar os desabafos. Sempre contámos com ele, como contamos com o Sol que todos os dias nos ilumina. Ainda ontem, um grande amigo que nos conhece há quase cinquenta anos me dizia que, durante todo esses anos, não se lembra de alguma vez ter ouvido o meu irmão dizer Não a qualquer pedido de ajuda.
Deixou-nos fisicamente, mas teve, como sempre, o cuidado de não nos deixar desamparados; a sua memória está recheada de tantos bons momentos que nos será sempre possível tê-lo presente no nosso espírito. Pessoalmente, tenho conseguido aplacar a minha dor com o pensamento de que ele, seguramente, não gostaria que o recordássemos com lágrimas, mas sempre com uma enorme alegria pelos inúmeros e sempre agradáveis momentos de convívio que cada um de nós, individual e colectivamente, com ele partilhámos.
Também nos deixou duas grandes heranças, as quais teremos de ser merecedores de respeitar e acarinhar.
Por um lado, o seu Exemplo de bondade, honestidade, honradez e sentido de justiça que nos compete transmitir aos nossos filhos e netos e, com uma convicção tão forte, que também eles sintam prazer e utilidade em o transmitir aos seus próprios filhos e netos; a sua memória irá perdurar por muitas décadas e, nesse sentido, só morrerá quando nós o permitirmos. Numa sociedade onde cada vez mais se sabe o preço de tudo, mas se deixou de conhecer o valor do que é realmente importante, é bom saber e dar a conhecer que continuam a existir pessoas como o Manuel, que são capazes de manter integralmente os seus valores, independentemente das injustas consequências que daí lhe possam advir – como, de resto, com ele aconteceu a nível profissional -, e conseguem fazê-lo com um empenho e um entusiasmo que, só ele próprio, soube onde os angariar.
Por outro lado, o Paulo Manuel deixou-nos bem viva aquela que é, ele próprio isso me ensinou, a maior obra que jamais poderemos construir: os nossos filhos. A Renata, cuja vida e alegria transbordante (que há-de voltar, estou disso seguro, por muito que a tua actual tristeza nisso não te deixe por agora pensar) tanto tem encantado as nossas existências, está naturalmente a construir o seu próprio caminho, mas já nos tem mostrado que, simultaneamente, consegue conciliar essa autonomia com a continuidade que vai dando à obra e aos valores do seu Pai.
Termino, com um merecido e justíssimo reconhecimento: tudo o que o Henrique, o Kiau, o Paulo e eu próprio temos de bom nas nossas maneiras de ser tem uma raiz comum, os nossos pais.
Evocação pelo irmão João Monteiro Marques
26.10.2010