40° Aniversário da entrada para a Escola do curso «Baptista de Andrade»
Ex.mo Senhor Almirante Comandante da Escola Naval
Os meus agradecimentos pela forma como me tem recebido nestas minhas frequentes visitas.
Caros camaradas e antigos cadetes do Curso «Baptista de Andrade»
Os meus agradecimentos por me terem associado à vossa festa.
Quando fui convidado para proferir mais uma lição ao vosso curso, confesso que tive uma certa dificuldade em escolher o tema. Decidi-me por escolher um que tivesse algum interesse actual e, ao mesmo tempo, pudesse ser tratado em poucas palavras, como convém a uma lição meramente simbólica. Tendo em conta que fui vosso professor de Organização e desde muito novo sou um apaixonado por este tema, decidi-me por vos apresentar algumas reflexões acerca da importância que tem a Organização para que se possa ultrapassar a difícil crise que o nosso País neste momento atravessa.
Como sabem, considera-se tradicionalmente que os factores da produção são três: Terra, Capital e Trabalho. Por Terra entendem-se todos os recursos naturais disponíveis. Neste sentido, o mar ou o vento, por exemplo, fazem parte do factor Terra. Por Capital entende-se o dinheiro ou o crédito disponível à partida para realizar determinado empreendimento. Por Trabalho entendem-se os recursos humanos disponíveis: trabalhadores propriamente ditos, técnicos e dirigentes.
Não me parece que esta definição esteja correcta. Em minha opinião os factores de produção são quatro e não três: Terra, Capital, Trabalho e Organização. É inquestionável que se tivermos duas empresas com iguais recursos humanos, materiais e financeiros, uma delas com uma boa organização e a outra com uma má organização, a primeira fabricará necessariamente produtos melhores, mais baratos ou em maior quantidade. Durante a frequência do Curso Geral Naval de Guerra, contaram-nos que Ford, o famoso americano construtor de automóveis, terá dito um dia que mesmo que lhe tirassem as fábricas, as matérias-primas, os trabalhadores e o crédito mas lhe deixassem a Organização, no ano seguinte teria novamente a empresa a funcionar! Claro que se trata de um exagero. Provavelmente Ford nunca tal disse. Mas a história serve para ilustrar as vantagens indiscutíveis da Organização.
É costume dizer-se que Portugal tem poucos recursos naturais e que o nosso atraso em relação às nações mais ricas do mundo se deve a, durante a Idade da Indústria; não dispormos de petróleo nem de carvão nem de aço. A verdade é que a Suíça que é um dos países mais ricos do mundo não tem petróleo nem carvão nem aço, o que parece demonstrar que o mais importante não será propriamente ter recursos naturais mas sim saber aproveitá-los bem. Neste momento, em que já deixamos para trás a Idade da Indústria e estamos vivendo na Idade da Comunicação, da Ecologia e da Globalização, em que se está verificando uma transição inevitável das energias fósseis para as energias renováveis, haverá que ter em conta que Portugal é o País da Europa que tem simultaneamente mais vento, mais sol, mais chuva e mais ondas, aliado a um clima e a uma posição geográfica particularmente favoráveis ao Turismo. Para não falar na produção de certos mimos, apreciados em todo o mundo, como são desde há muito o vinho do Porto e agora, segundo as últimas notícias, ... os pastéis de nata!
Também é costume atribuir-se as nossas desgraças à falta de trabalhadores, técnicos e dirigentes qualificados e, sobretudo, à fraca qualidade dos nossos políticos. Não me parece que isso seja correcto. Em toda a parte do mundo há trabalhadores portugueses que são apreciados pela sua competência profissional, pela sua honestidade, pela sua excepcional capacidade para se adaptarem à culturas locais e pelo seu espírito de iniciativa a que costumamos chamar o desenrascanço. Os nossos estudantes que frequentam cursos no estrangeiro são geralmente dos melhores classificados. Temos técnicos e cientistas portugueses trabalhando com sucesso nas universidades e nos organismos de investigação científica mais importantes a nível mundial. Temos jogadores de futebol que são dos melhores do mundo. Temos treinadores liderando as melhores equipas de futebol da Europa, da África e da Ásia. Temos políticos portugueses ocupando altos cargos nas principais organizações internacionais. Recentemente foi noticiado que um português foi convidado para dirigir o maior banco de Inglaterra. Não nos podemos queixar de falta de recursos humanos. Tenho a convicção de que continuamos a ser o mesmo Povo, o mesmo grande Povo que fomos no passado.
Será que o que nos falta é o capital necessário para aproveitar melhor os nossos recursos naturais e humanos? Julgo que não. O dinheiro e o crédito são apenas números escritos em papel que representam bens que já existem ou que se presume que existirão a curto prazo. O capital não tem pátria. O capital é de todos e não é de ninguém. O capital acorre naturalmente aos lugares onde há melhor aproveitamento dos recursos naturais e humanos existentes.
Então o que é que nos falta para tirar o País da crise? Obviamente, é Organização.
Os Portugueses por natureza são individualistas, indisciplinados e visceralmente avessos a qualquer forma de organização. Por isso, quando vão para o estrangeiro e são enquadrados numa boa organização são elementos de valor. Quando entregues a si próprios não conseguem organizar-se e tornam-se incapazes para a acção colectiva.
Em minha opinião, a raiz da crise que estamos actualmente atravessando está sobretudo na deficiente organização do Estado. Temos uma Assembleia da República que se diz constituída por representantes do Povo mas que, como toda a gente sabe, é constituída por representantes dos partidos políticos. Uma assembleia que não serve rigorosamente para nada senão para dar emprego aos políticos, uma vez que se esgota em discussões estéreis uma vez que as suas resoluções dependem apenas das cúpulas dos partidos e são de antemão conhecidas. Temos um poder executivo com duas cabeças, um Presidente da República praticamente sem poderes, isto é, sem ter nada que fazer, e um Primeiro-ministro tendo na sua dependência directa cerca de vinte ministérios, além de inúmeros Institutos, Altas Autoridades, Comissões Permanentes, etc. etc., o que não lhe permite coordenar nem controlar a sua acção e é contrário às regras mais elementares de Organização. Temos um poder judicial manietado por uma teia de leis que servem essencialmente para dar que fazer aos advogados mas que em muitos casos, paralisam a actividade económica ou impedem que se faça justiça em tempo útil.
A organização do Estado depende essencialmente da Constituição. Torna-se por isso necessário, a meu ver, considerar uma revisão profunda da actual Constituição, como o factor decisivo para resolver a crise numa perspectiva que vá para além do curto prazo.
Nenhum problema social poderá ser satisfatoriamente resolvido a longo prazo sem que previamente tenha sido resolvido o problema económico. Nenhum problema económico poderá ser satisfatoriamente resolvido a longo prazo sem que previamente tenha sido resolvido o problema financeiro. Nenhum problema financeiro poderá ser satisfatoriamente resolvido a longo prazo sem que previamente tenha sido resolvido o problema político. Resolver o problema político envolve necessariamente uma revisão profunda da Constituição que assim se torna a prioridade das prioridades.
Quais serão então os elementos básicos a considerar numa revisão profunda da Constituição? Creio que serão essencialmente três:
- Respeitar o princípio básico da Democracia que é a chamada separação dos poderes (Legislativo, Executivo e Judicial) separação essa que actualmente, no caso dos dois primeiros, (Legislativo e Executivo) não se verifica.
- Ter em conta que actualmente a política se faz na Televisão e não no Parlamento nem nos comícios, que só existem quando aparecem na Televisão.
- Respeitar os princípios básicos da Organização, que são aqueles que vos ensinei há quarenta anos, que estou certo que não haveis esquecido e que, por isso, me dispenso de repetir.
Saturnino Monteiro
É impressionante constatar como, passados 40 anos e com uma idade invejável, o Comandante Saturnino Monteiro consegue ainda manter a lucidez, a postura, o pragmatismo e a clarividência a que nos habituou nos seus tempos áureos como professor de Organização e Comandante do Corpo de Alunos da E.N. na abordagem de um tema que sempre lhe foi caro e que ontem escolheu para, uma vez mais, nos dar uma lição.
ResponderEliminarE embora muitas vezes tenhamos discordado do rigor dos seus métodos, à época considerados exageradamente militaristas, é de toda a justiça reconhecermos-lhe a sua indiscutível competência como líder e formador de homens e estarmos-lhe imensamente gratos por nos ter transmitido um conjunto de valores que inequivocamente nos marcaram e nortearam as nossas vidas, quer pessoal quer profissional.
Silva Lopes
O Comanadante Saturnino Monteiro, foi comandante de companhia do meu curso (Oliveira e Carmo) no 1º ano da Escola Naval e parte do 2º.
ResponderEliminarDele recebi os valores fundamentais dum Homem e dum Militar.
Por isso lhe estou infinitamente reconhecido e a sua memória perdurará em mim até ao fim da minha existência!